Arcadia: A Reparação de Maria

Andrew/Deirdre
24 min readJan 5, 2019

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21 de dezembro de 2018

Querido Lúcio,

O que você faria no meu lugar após uma ligação como esta?

Sei que não nos falamos há anos. Sei também que nunca te dei a oportunidade de conhecer o nosso menino. No entanto, preciso extravasar sobre o quanto as coisas mudaram após o aniversário de treze anos de Miguel. Inebriada por aquele medo maternal pela chegada da nefasta adolescência, eu sabia que chegaria o dia em que Miguel deixaria de me contar as coisas, deixaria de me fazer sua confidente mais íntima e especial, pois é natural que um menino tão esperto como ele uma hora se desvencilharia dos cuidados da mãe.

Miguel sempre foi muito independente, desde pequeno quando seu rostinho era muito similar ao meu naquela mesma idade. Andrógino, meio bonequinha espanhola de porcelana, com aquelas sardas de nanquim respingado numa folha marrom que era a sua pele e cabelos pretos e secos como se uma palha tivesse sido banhada pelo breu da noite de Arcadia. Um rosto primariamente redondo que se tornara mais anguloso na pré-adolescência. Aqueles olhos castanho-claros imensos que expressavam as mais ínfimas reações. Encantava-se por tudo e, depois, por nada. Aprendia rápido e, quando não conseguia aprender de primeira, sentia-se profundamente decepcionado comigo mesmo. Bastava eu lhe mostrar uma vez para ele captar a ideia do todo, de tudo. Não preciso explicar mais do que o necessário: ele não me dava trabalho algum. Era quieto e observador, o que as vezes se confundia com desatenção, na verdade ele escutava tudo. Sua anteninha na cabeça sempre ligada. As vizinhas diziam que ele se tornaria artista (a aparência ajudaria). Eu já não tinha tanta certeza disso. Miguel, ao meu ver, poderia fazer qualquer coisa e seria bem-sucedido nisso. Diferente da mãe, que já queria ser professora. Sentia-me mais humana, orgulhosa de mim, quando ensinava minhas irmãs mais novas em casa.

Minha avó — que Deus a tenha — me aporrinhou a gravidez inteira sobre o nome que escolhi para o menino que se formava em meu ventre. Dizia ela que dar nomes de anjos aos infantes os transformariam em demônios. Que perturbariam todas as crianças no parquinho e arrancariam a fúria das outras mães. Ruth já estava demente e ensandecida na própria doença, nunca lhe dei ouvidos naqueles nove meses em nossas esparsas ligações, ou nos feriados em que ela vinha até Arcadia passar uns dois ou três dias comigo, nas vezes em que Sarah não podia estar presente. As vezes me pego pensando se, se eu desse um nome de santo, e não de anjo, ao nosso rapazinho, os rumos poderiam ter sido outros. Quem sabe se eu o tivesse posto, ao menos uma vez, ajoelhado em milho cru sob o sol à pino, como mamãe fazia…

Mas permita-me chegar ao ponto de partida onde há exatos quarenta e quatro anos eu saí daquela casa cheia de minhas irmãs e casquei o rumo fora junto contigo para concretizarmos algo bom, puro e acalentador em Arcadia. Você não estava mais lá nos dias em que Sarah me ajudava a reparar Miguel, tampouco Sarah estava presente no momento em que Miguel foi acusado de ter agredido aquela garotinha. Aquele anjinho de cabelos louros chamado Lourdes. Uma santa, que ironia.

A ligação que recebi da diretora foi agressiva e cheia de ultimatos. Como mamãe vivia fazendo, o que me fez lembrar de que eu não confiava nela. Saí rasgando de casa sem nem mesmo colocar meu terço na bolsa — hábito que herdei de Ruth e Silmara. Estava zonza e sentindo que aqueles espirros matutinos iriam logo transformar-se numa gripe terrível. Então, antes de ligar para minha casa, a diretora ligou para o colégio onde eu lecionava. Que cobria os primeiros três períodos até a quarta série. Na zona leste de Arcadia, um pouco mais distante que a escola de Miguel, que ficava no centro-oeste e ensinava até o último ano do ensino médio. Eu gostava de dar aula para as crianças da primeira série e da segunda também, na terceira e na quarta já tinham malícia demais. Você me conhece. Miguel, com sua quietude plácida, também me deixara mal-acostumada a lidar com crianças como as daquela cidade que respirava sozinha. E que hoje respira de outro modo.

Cheguei no hospital encontrando um ponto para me concentrar e não olhar para os lados enquanto a enfermeira me levava até o leito onde parecia estar acontecendo uma reunião. Importante manter o queixo bem posicionado nessas horas. Adiante, um esfregão dentro de um balde amarelo no fim do corredor, a zeladora distraída com alguma coisa em suas mãos, gorda e cansada. E no leito, Miguel apressando-se para pular da cama e me abraçar como se quisesse se esconder debaixo da minha blusa. Deixando um rastro úmido de seu rosto no tecido. Sua mão esquerda enfaixada me causou um intenso calafrio.

“Calma, calma, estou aqui” — eu o acalentei, projetando-lhe a gentileza que ele aguardava. “O que aconteceu, meu filho?”. — Avaliei a mão cheia de ataduras que ele me exibia.

A diretora Safira, talhada de rugas como madeira lapidada por um canivete, me encarou como se não acreditasse na minha pergunta. Eu já estava emputecida da vida com o seu tom acusatório no telefone, queria que ela soubesse que eu acreditava muito mais na palavra do meu filho do que na dela.

“O que aconteceu, senhora Maria?” — a professora Camélia juntou-se à indignação de Safira, interrompendo qualquer possibilidade de Miguel responder. “Aconteceu que seu filho teve um ataque muito, muito sério”.

“Como assim?” — fiz questão de perguntar novamente, fingindo a demência de Ruth, queria que a diretora repetisse o que havia praticamente me gritado na ligação. Desta vez, na presença de Miguel.

“Temos testemunhas do ocorrido, senhorita. Uma sala inteira viu acontecer. Todos os alunos disseram a mesma coisa”.

Ah, agora havia mudado de senhora para senhorita, o que significava que o suposto ataque de Miguel era resultado da minha negligência. Eu já sabia aonde aquilo iria chegar.

“Vocês querem que eu acredite que o meu filho cometeu uma atrocidade dessas? Miguel? Você o conhece desde que ele nasceu, Camélia. Por que de repente o estão tratando como um desconhecido?”.

“Não é isso, Maria…” — Camélia, de repente acometida pela consciência de que ninara um Miguel bebê, abaixou o tom de voz deixando de lado o ‘senhorita’ refogado em julgamentos de Safira. “Mas o que aconteceu foi muito, muito grave. Lourdes nesse momento está na sala de cirurgia. E os pais estão na sala de espera. Não falaram nada desde que chegaram aqui… É uma situação complicada para todos nós”.

“Para todos nós?” — rebati. “Onde você estava, Camélia, na hora do acidente?”.

Camélia me fitou com puro descontento. Não sei se por eu questionar sua postura profissional ou por chamar o suposto ato de acidente. Até que me provassem o contrário, eu continuaria chamando assim. Que ingênua eu fui, meu caro Lúcio.

“Eu saí por um minuto! Um minuto! Você conhece as crianças, Maria…” — Camélia se defendeu.

“Eu conheço o meu filho. E estou ficando cansada desse tom acusatório pra cima dele”.

“Senhorita, vá para casa. Precisamos todas nos acalmar. Cuide do seu menino. Ligarei para você mais tarde para marcarmos a reunião com os pais de Lourdes e resolvermos esta situação sem precisarmos recorrer à justiça” — Safira disse, num tom que denotava o seu medo de que dali a pouco Camélia e eu sairíamos no tapa.

Aproveitando a diplomacia repentina de Safira, saí com passos firmes segurando fortemente a mão de Miguel, que não reclamou da minha força talvez por temer que eu fosse gritar com ele também. Minhas orelhas ferveram com os olhares que ignorei no hospital ao passo que o nosso rapazinho assumiu o papel de mártir e fez questão de encarar de volta cada um deles. Era como se estivesse se preparando para a vindoura caça às bruxas que ele sabia que haveria.

Miguel, assim como eu, e talvez um pouco como você também, captava o andamento das coisas nas entonações das palavras e no idioma dos gestos. E por esse motivo ele também adoecia. Aquela manhã foi a primeira manhã oblíqua que eu tive em anos, Lúcio. Anos. Você conheceu uma Arcadia diferente, e foi embora justamente quando aquela cidade me abocanhou.

Cobri o rapazinho na cama e fui ter na janela com o meu cigarro cheio de culpas católicas. Silmara provavelmente teria me amaldiçoado, e Ruth somente me olharia com desaprovação. Havia sido um dia tão cansativo, ainda que a pior parte houvesse acontecido pela manhã. Os olhares que a diretora Safira e a professora Camélia davam a Miguel não eram de julgamento, Lúcio. Eram de medo.

Você teve a ideia de morarmos no bairro mais próximo do lago. Eu nunca gostei muito de águas paradas. Acontece que numa vida de recém-casados temos que ter muita flexibilidade, ou barganha. O lago seria seu, contanto que o design interior da casa fosse ideia minha. Foi o que combinamos e acabei me habituando à presença do lago na ausência sua. Sarah diria que águas-correntes são muito mais perigosas e capciosas. Eu já digo o contrário e continuo acreditando veementemente nisso: o que está na correnteza vai-se embora. O que fica parado, cresce e consome. Estava pronta para ter mais um daqueles sonhos oblíquos após ficar tanto tempo fitando da janela. Quinhentos metros de distância, ali, absorvendo o breu do céu, não refletindo absolutamente nenhum ponto de luz. No verão ele tornava-se mais amistoso, verde-relva, até lustroso. E no inverno, bem, no inverno era como uma grande pupila negra dilatada, olhando de volta para o céu que o subjugava.

Levei um susto com a mãozinha gelada de Miguel em minha costela, interrompendo meus devaneios e as saudades suas, e já sabia o que estava acontecendo. Ele estava adoecendo de preocupação. Psicossomático. Uma criança como Miguel não é qualquer um que pode criar. Eu dava graças a Deus que ele havia nascido de mim, e não de Silmara.

“Você está ardendo em febre. Vou ter que levá-lo no hospital”.

“Não, mãe. É o Senhor Pássaro”.

“Tendo pesadelos de novo?”.

Ele ficou decepcionado por eu chamar seu delírio febril assim.

“Não quero dormir sozinho”.

“E também não quer ir ao hospital… quem é a mãe aqui?”.

“A senhora. Mas amanhã eu vou tá melhor”.

“Como você pode saber disso, rapazinho?”.

“A senhora também sabe”.

Ele tinha razão. O jeito de Miguel se curar era sempre dormindo ao meu lado. Era uma coisa mágica, Lúcio. Acho que se ele ainda estivesse morando comigo, provavelmente dormiria ao meu lado se ficasse febril novamente. Mas o nosso menino está gelado agora. E Arcadia foi dominada por todos aqueles que vimos ascender.

Sarah ficava louca com Miguel relatando seus pesadelos. Isso começou nos seus cinco, seis anos. Dizia ela que acabava sonhando com aquelas coisas também. Homens altos, com cabeças de pássaros no lugar das cabeças humanas. Um pescoço flácido, meio pele meio glote de galo. Um bico de pitohui do tamanho de um punho. Olhos de coruja escavadeira, amarelos como urina de doença. Em outros sonhos eram vermelho-sangue. Como se um cientista louco tivesse criado uma mutação de aves e a libertado para assombrar as crianças. É claro que eu associava esta imagem à junção das coisas que Miguel assistia e lia. Era apaixonado por documentários e livros de fantasia e sua imaginação, quando ele tinha vontade de imaginar, ia longe como a de qualquer outra criança. Ademais, era sóbrio em pensamentos no dia-a-dia, o que acabava se tornando um grande contraste em relação a essas imagens que, segundo ele, eram tão claras e opressoras.

Fui ao quarto de Miguel e acendi e apaguei a luz umas três vezes para descobrir de onde vinha o seu receio. Percebi uma penumbra criada pela arara de roupas, formando a silhueta de uma criatura com um bico desenhado por uma jeans mal dobrada, esticando-se pela luz que vinha da lamparina da rua lá fora, escapando da cortina que ele não havia fechado. Quando enfim apaguei a luz pela quarta vez e fechei a porta, achei ter ouvido um farfalhar.

O que você faria no meu lugar, Lúcio? Nós não somos os nossos filhos. Mas as vezes os nossos filhos herdam medos que se conectam aos nossos. E o pavor de Miguel pelo fantástico Senhor Pássaro era equivalente ao receio que eu tinha daquele lago. Eu não poderia estar mais certa.

Com amor,

Maria.

23 de Dezembro de 2018

Querido Lúcio,

Não quero parecer paranoica ou senil, nem encher sua cabeça de pensamentos absurdos. Estou tentando resgatar essas memórias como uma maneira de entender o que está ao meu alcance após todos esses anos. E se há algo que eu possa fazer para resgatá-lo, assim que eu criar coragem de visitar Arcadia novamente. Indo contra todas as minhas promessas de que jamais voltaria a este lugar.

No fim das contas, eu não gripei, e Miguel acordou na manhã seguinte com a temperatura amena e a euforia de um touro amedrontado numa boiada. Camélia me ligara mais cedo dizendo que era melhor eu aparecer sozinha, o que eu achei um despautério. Não deixaria meu filho sozinho numa situação como aquela. E a cidade inteira já sabia do ocorrido, o que me fez ter a certeza de que ninguém iria aceitar ficar em casa para repará-lo. As babás de Arcadia eram como uma sociedade secreta. Se uma criança se mostrasse aterradora demais, todas elas saberiam. E ninguém mais aceitaria reparar a negregada.

O jeito foi ligar para Silmara, no fundo no fundo querendo que Sarah atendesse.

“Oi mãe”.

“Oi mãe?” — ela repetiu, como se eu fosse uma retardada.

“Oi mãe” — eu repeti, tentando soar engraçada.

“Sarah não mora mais aqui” — ela disse rispidamente. “Mais alguma coisa?”.

“Eu preciso de ajuda, mãe”.

“É claro que precisa!” — ela exclamou, orgulhosa de si, como quem fala “eu já estava esperando ansiosamente que isso fosse acontecer!”.

“Mãe, é sério”.

“E eu disse que não é?”.

“Mãe, eu preciso que alguém venha reparar Miguel. Estamos num momento difícil, e eu prefiro que ele fique em casa”.

“Miguel já está crescidinho pra ficar sozinho, você não acha? É claro que não! Vive mimando o moleque!”.

“Mãe, por favor…”.

“Maria, acho que você se faz de cínica ou de sonsa, ou os dois. Mas também, pudera! Não liga mais pra mim. A sua vó morreu então o jeito é torcer pra mãe morrer também!”.

“Me desculpe, mãe”.

“Agora que precisa de ajuda é mãe né? Quando não precisa é só Silmara. Olha o tipo de coisa que eu tenho que aguentar… além do mais, suas irmãs todas já se mudaram desta casa. Me deixaram aqui para apodrecer, seguiram o exemplo da mais velha. Achei que elas teriam pelo menos a decência de te contar”.

Eu não tinha muitas opções. E se eu pedisse os números telefônicos de minhas irmãs, ela poderia ficar ainda mais ressentida e fazer alguma besteira. Como já fez quando você e eu ficamos enamorados, Lúcio, lembra?

Engoli em seco e disse:

“Já que a senhora está tão sozinha, fazer companhia à Miguel pode te fazer bem. Podemos ajudar uma a outra”.

Silêncio. Eu tinha que ser mais convincente do que aquele pobre melodrama.

“Desde que meu marido foi embora eu também tenho me sentido sozinha nesta casa, mãe. Sarah nunca mais deu sinal de vida depois aquilo aconteceu… E você sabe como são as coisas com minhas outras irmãs. Quando estão separadas, são ótimas. Mas quando estão juntas, são terríveis. Nenhuma delas é como Sarah. A senhora sabe disso”.

Sarah era um ponto fraco. Meu e dela. Nos tornávamos mais humanas uma com a outra à mera citação de seu nome.

“Está bem, está bem. Vou preparar uma mala. Quanto tempo você quer que eu fique aí reparando teu moleque?”.

Se eu a corrigisse falando um seu neto estaria forçando demais. Embarquei no seu temperamento e disse:

“Umas duas semanas, três, talvez mais. Fique quanto tempo quiser com o moleque, acho que esse problema irá durar um tempo”.

“Certo. Chego aí em uma hora. Diga que irá se atrasar”.

“Não vou ao trabalho hoje”.

“Está desempregada também?”.

“Não. Estou me preparando para o pior”.

Enquanto a velha se arrumava para chegar, tentei manter as estribeiras com Miguel me encarando de modo assombrado desde que havia acordado, me seguindo pela casa como um pequeno fantasminha. Talvez ainda esperando que eu fosse lhe levantar a voz ou talvez por ter ouvido esse problema irá durar um tempo e acreditado que eu estava me referindo a ele como o problema em si. O que eu logo cuidei de resolver. Ainda não havíamos tido a conversa sobre o problema. E crianças têm o péssimo hábito de assumirem a culpa por qualquer frase ouvida fora de contexto.

“Miguel, me conte a verdade, meu filho, o que aconteceu?”.

“Eu não me lembro de muita coisa, mãe”.

“Como assim?”.

“Acho que apaguei na hora, sabe, quando aconteceu”.

Nunca vi alguém tremer tanto para passar geleia numa torrada.

“Me fale do que você se lembra, desde o começo”.

“Desde que eu acordei?”.

“Sim”.

Ele se recompôs e tomou um gole do seu anêmico café com leite.

“A gente estava aqui na mesa da cozinha, como agora. Antes disso eu tive um sonho. Mas não era um pesadelo. Foi algo legal. Acho. Porque eu acordei bem e não estava suando. Daí a senhora me levou pra escola e eu entrei na sala. A professora falou sobre o que iria cair na prova. E depois foi como se eu tivesse voltado a dormir. Sabe, quando fazem um exame na sua barriga e você dorme de repente”.

“E depois?”.

“Quando acordei, a Lourdes ela…”.

Ele parou para se concentrar em segurar o choro e continuar o seu relato.

“Ela não gritava, mãe. Mas ela estava tão machucada… eu não entendi por que ela não gritava. E parece que demorou até que todo mundo da sala começasse a gritar. Mas ela continuou ali, parada, olhando pra mim, sem dar um pio”.

“Talvez estivesse em choque, meu filho”.

“Eu não sei mãe. Eu acordei e Lourdes já estava daquele jeito. E só depois eu percebi que tinha uma caneta enfiada na minha mão, e só começou a doer quando eu vi” — ele ergueu a mão enfaixada sobre o seu prato, como um astuto detetive colocando a prova na mesa da sala de interrogatório. E não conseguiu mais segurar o choro ao se lembrar da cena de Lourdes à sua frente com uma tesoura enterrada no olho. Eu também choraria. Decidi não mais pressioná-lo e o acalentei com palavras de força. Deixando claro que eu sempre estaria do seu lado. Você ficaria orgulhoso de mim, Lúcio. Numa situação dessas, as mães precisam segurar o choro para os filhos não se descontrolarem. E aquela história toda já estava confusa demais. Mas decidi continuar acreditando na palavra do meu filho.

Silmara não me abraçou quando chegou em casa, mas surpreendentemente abraçou Miguel de modo caloroso e lhe deu um grande sorriso. Sua aparência estava mais desleixada do que a última vez que eu a vira, logo depois que você foi embora. Uma velha masculina, quadrada, açoitada pelo tempo, com os peitos cheios de estrias, castigados pelas cinco bocas que amamentou. Cabelos maltratados e embaraçados. Uma pele flácida debaixo do queixo como um grande sapo que teve todos os seus órgãos retirados numa aula de anatomia até murchar. Ela realmente envelheceu feio, e sua constante expressão de quem vivia cheirando merda não ajudava. Mas ali, recebendo Miguel tão bem, e talvez pelas circunstâncias, eu estava feliz que ela havia decidido me socorrer.

“Como foi a viagem?” — perguntei educadamente.

“Estressante, você deve imaginar porque eu me atrasei. E eu odeio me atrasar. Mas as estradas para chegar nesta merda de cidade parecem mais um labirinto. Eu fico louca, louca!”.

Você já ficou louca por menos, pensei. E talvez ela tenha captado esse pensamento, porque me encarou de modo incisivo enquanto Miguel se agarrava em seu pescoço sem saber que suas ancestrais eram muito boas em criar uma guerra através dos olhares. Uma proclamação genuína de culpas passadas.

“Não me decepcione de novo, Maria”.

“Digo o mesmo, mamãe”.

Nessas horas eu sentia muita falta da velha Ruth. Ainda sinto, obviamente. Acho que a morte da minha avó fora muito mais dolorosa do que o desaparecimento de Silmara em Arcadia. E de certa maneira, Lúcio, nós tivemos uma boa conclusão, Silmara e eu. Dependendo do seu ponto de vista, tivemos sim.

No dia da expulsão de Miguel, os pais de Lourdes não compareceram. Como um voto de silêncio seguido por uma decisão já tomada e apoiada pelo colégio sem me dar a chance de defender o meu menino. Furiosa, eu fiz questão de bater em suas portas e a mãe me recebeu, fitando-me com aquele olhar vítreo que me fez pensar que havia sido o mesmo de sua filha. Pequena Lourdes mutilada, ainda no hospital. Eu achava que poderia confrontá-los, mas ao me lembrar do fato de que a garotinha estava numa situação muito mais crítica, meus joelhos se afrouxaram quando ela me olhou daquele jeito quase mecânico, vazia de si. Como se não estivesse mais ali. Como se sua alma tivesse sido roubada tal como a visão direita da menina catatônica.

Simone prostrou a mão sobre o meu ombro lentamente e disse:

“Tenha calma, Maria. Seu menino será de grande importância. Tal como a minha menina. Tal como as nossas crianças. Já não era sem tempo, você não acha?”.

E fechou a porta polidamente na minha cara.

Exaurida e confusa, fui embora para casa. Não havia mais o que fazer. Precisava descansar para enfrentar mais um dia de julgamento no meu trabalho. Agora você já sabe, esta foi a primeira morte de Miguel. E não me deram nem o direito de comparecer à crucificação de meu filho. Ele está lá até hoje. Pendurado como um Cristo que nunca mais envelhecera. Já fazem três décadas e três anos, meu amado, que o nosso filho continua com treze anos de idade.

Com amor,

Maria.

25 de dezembro de 2018

Querido Lúcio,

Foi tão difícil parir Miguel. Eu queria tanto que você estivesse lá. Quarenta e duas horas e trinta e três minutos em trabalho de parto. Achei que ele não queria sair de jeito algum do meu ventre. Que decidira fazer do meu corpo a sua eterna morada. Entrei numa paranoia terrível de achar que meu filho já estava morto, que ele se calcificaria em meu âmago e que uma hora me mataria também. Ele se transformaria num tumor maligno e me roubaria a saúde. Ele me assombraria pelo resto de minha vida. Chorei tanto, tanto, pensando nessas possibilidades. Sarah não saiu do meu lado nem por um minuto.

Então, quando finalmente expeli aquele corpo, expulsando-o como um demônio que tentara se apossar de mim, uma profunda apatia se abateu feito trem descarrilhado no meu peito já cansado de palpitar aceleradamente. Coração enegrecido. Senti-me distante do meu próprio ser, como se me assistisse, de longe, guiar a sua boquinha em direção ao meu peito. Pedindo para Sarah retirá-lo de meus braços assim que ele dormia. Eu não o ninava. Não fazia brincadeiras para tentá-lo fazer sorrir. Quem se deu a esse trabalho fora a minha irmã. A primeira de nós cinco. A filha que Silmara mais amou. Ela mesma deixava isso bastante claro para as restantes, as sobras. Sarah era perfeita. Eu vim curiosa pela vida. Caroline veio depois de mim, já aborrecida por ter nascido sem que lhe tivessem pedido permissão. E as gêmeas caçulas Tamara e Talita tinham plena certeza de que mamãe não havia se esforçado muito para escolher os seus nomes. E acredito que isso tenha ficado óbvio para todas nós. Eu nunca reclamei do meu. Tinha muitos outros motivos para reclamar, não esse.

Quanto a Miguel, ele era especial com um nome especial. Lembro de todos seus acidentes que quase me fizeram ter uma parada cardíaca. Quando uma garotinha como Lourdes alçou voo no balancinho do parque bem no momento em que Miguel passava, acertando-lhe a testa e fazendo brotar uma máscara de sangue em seu rosto. Quando ele quebrou dois ossinhos do pé numa excursão da escola, acabrunhado pela iminência das sombras e dos farfalhares que o fizeram acreditar que o Senhor Pássaro o estava seguindo. Quando ele se afogou no lago, muito novinho, mesmo sabendo nadar, alegando que alguém havia puxado a sua perna. E a longa sequência de seus pesadelos que afetava Sarah de uma maneira que eu jamais poderia imaginar. Era a sua tia favorita, e ele também gostava muito da velha Ruth.

Assim como eu, Miguel havia se acostumado rapidamente às ausências e aos acidentes. À presença do sangue e da dor e do luto. Mas ele nunca, Lúcio, ele nunca machucou ninguém. Ele nunca ficou ressentido e magoado por você não estar por perto. Ele nunca me levantou a voz. E tenho certeza de que nenhuma das vezes em que ele voltara machucado para casa, fora proposital. Eu nem mesmo questionava os arranhões que apareciam nas suas pernas. Há muitas crianças maliciosas em Arcadia, sempre fui muito astuta e observadora para com todas elas.

Tive a sorte e a benção de meu Deus de sempre ter tido turmas tranquilas. Mesmo me tornando uma pária entre as mães de Arcadia, as crianças da primeira e da segunda série criavam um carinho instintivo por mim. Talvez pela dualidade de meu rosto, homem e mulher, androginia pura, como a figura de um anjo renascentista e amarronzado. A maneira com que conduzia minhas aulas era através das memórias que me consumiam nos tempos em que ensinava minhas irmãs. Muitas Carolines, Tamaras e Talitas, metamorfoseadas nas figuras de novas gerações. A delicadeza de seus desenhos. A proeza de suas empolgações ao formar as sílabas. Um pouquinho da história da cidade que, aos poucos, eu deixava de amar. E o lago, o seu lago preferido, não me dei mais ao trabalho de manter uma familiaridade com ele. Agora ele me parecia apenas feio, ilícito, obtuso demais. Ali velando pelo bairro que o velava. Aquela pupila dilatada e maldita. Miguel nunca mais ousou nadar no lago desde que tivera aquele pesadelo em plena luz do dia, acreditando que havia mais seres além do Senhor Pássaro que estavam prontos para despertar.

“Anda vendo filmes demais” — eu lhe disse, checando sua testa febril e seu pescoço avermelhado de sol e tensão.

“A senhora só não vê, mamãe” — ele respondeu, escolhendo pausadamente como entonaria cada palavra para não soar malcriado.

Seu aniversário de treze anos foi tão solitário, Lúcio… Provavelmente o único momento em que ele fitou a moldura de sua fotografia na parede da sala com profunda tristeza, e não com orgulho. Eu fiz questão de te tornar um herói na cabeça de Miguel, mesmo sabendo que ele poderia me cobrar a verdade na fase adulta. Ainda assim, você era estoico e inalcançável. Pois tal como Sarah era perfeita para a irmã e a mãe. Você, Lúcio, era perfeito para ele. O aniversário dos que restaram, comemos o bolo ao som de um jazz na vitrola que tu deixaras, e fomos dormir muito cedo naquele dia.

A manhã seguinte prometia um dia tranquilo. Silmara preparou o nosso café, fez panquecas e comprou mel do senhor que vendia de porta em porta em nosso bairro. Beijei o meu filho que agora aprendia as matérias em casa e cheguei quinze minutos mais cedo do que o meu horário habitual no colégio. Precisava começar a economizar para sair de Arcadia, nosso tempo ali já estava acabando, e eu sabia disso em cada olhar condescendente ou discriminatório direcionado a mim.

Entrei na sala e comecei a organizar os guaches e as cartolinas nas mesinhas. Teríamos uma manhã para exercitar a criatividade. Cada pequenino que chegava, corria para me abraçar, causando calafrios nos pais que volta e meia vinham me vigiar na porta da sala antes de entregarem suas crianças aos cuidados de uma mulher cujo filho havia sido acusado injustamente de ser um agressor em potencial. O colégio em que eu lecionava, ao menos, tivera a decência de não me demitir. E eu já estava devendo uma ida de Miguel ao psiquiatra… Veja bem, era como se Arcadia tivesse se transformado na Silmara que eu conhecia muito bem de minha infância e adolescência, e eu me tornara uma rebelde novamente, apenas para confrontar.

Lígia, a professora da sala ao lado, arreganhou a porta com uma expressão mortificada, o que automaticamente me fez apressar os passos em sua direção e segurar suas mãos que necessitavam ser seguradas. Eu conhecia aquele olhar. E queria que naquele momento alguém tivesse feito o mesmo por mim. Levando Miguel para casa após o acidente, eu passei um longo minuto no espelho fitando aquela pessoa empalidecida e chocada que olhava de volta para mim. Precisando recompor-se numa velocidade que apenas uma mãe bem treinada pela vida consegue executar.

“Maria, está acontecendo de novo” — ela me disse, a voz chorosa feito a de uma criança que batera o dedão do pé na quina de um móvel.

“Lígia, o que está acontecendo de novo?” — perguntei, talvez mais para mim do que para ela.

Lúcio, apesar de um parto de tamanha depressão como o meu, a conexão que eu tinha com Miguel era tão primitiva que eu mesma havia imaginado como Lourdes surgira a sua frente com a pupila arreganhada. Esguichando sangue em seu rosto. Um silêncio abissal até todos se darem conta do que havia acontecido. Mas nada me preparou para o momento em que três de minhas alunas enfiaram lapiseiras em seus olhos sem emitir um único som. Numa violência e obstinação tão brutais em comparação aos seus corpinhos frágeis que era quase como se uma força invisível tivesse impulsionado a comunhão do ato, na intenção de chegar aos cérebros. Ao mesmo tempo, nem um segundo a mais, nem um segundo a menos. Como uma sincronicidade ensaiada há meses.

As meninas fitaram o teto, num nirvana que se espalhava pelo ar feito pólen, expressando a pureza de santas que ressoavam o santificado obsceno, e desfaleceram enquanto as outras crianças se levantavam e corriam para gritar pelos corredores.

Lá fora as árvores dançavam e farfalhavam irrequietas. A bandeira vermelha e amarela de Arcadia, hasteada, ondulava-se na frente do colégio. E catatônica, eu caminhei para erguer o vidro e respirar o ar puro de grama molhada, sabendo que alguém, ao longe, assistia a minha tentativa de escapar do meu próprio desespero.

Se eu não tivesse Miguel em minha vida, provavelmente teria pulado daquele terceiro andar. Eu só queria fugir, Lúcio, mas tinha um filho para criar.

Com amor,

Maria.

31 de dezembro de 2018

Querido Lúcio,

Perdoe-me por não perceber. Por não notar os sinais de seu perecimento. Aquela sua paixão pelo lago e por Arcadia me soava tão autêntica, tão real. Sei que poderia ter feito mais. Me esforçado mais. Então acredite quando digo que fiz o possível e o impossível para recuperar Miguel naquela época. Não queria perder mais outro rapaz em minha vida. Já havia perdido mulheres demais.

Você não me deixou opções. Eu não tive escolha.

Na manhã em que te encontrei, enforcado, em nosso quarto, meu querido, permita-me revelar este momento de egoísmo: eu queria ter feito o mesmo. Quem me segurou neste mundo, agora tão subjugado por aqueles seres, fora Miguel crescendo aos meus cuidados, uma nova missão. Até aquele momento eu ainda não havia me enxergado como mãe. Minhas irmãs eram minhas irmãs. Os filhos de minhas irmãs eram apenas sobrinhos distantes, crianças que mal se aproximavam de mim. Então, quando cortaram a corda que segurava o seu corpo que pendia feito um pêndulo de pele e ossos, foi o momento de encarar a irreversibilidade de uma vida.

O que aconteceu a Miguel foi diferente. Não fazia parte de seu destino tornar-se um súdito, mas no começo de uma nova escritura bíblica ele foi escolhido para ser o mártir. Sem direito a viver, sem direito a morrer. Entre os mundos, sempre entre os mundos.

É claro que me arrependo de não ter notado os sinais. Os farfalhares que arrepiavam o nosso menino. As perseguições que eu associava a paranoias infantis. Tamara e Talita também tinham sonhos estranhos as vezes. Acordavam achando que tinha mais alguém no quarto, alguém que não era eu, tampouco Caroline ou Sarah. Naquela época isso só me ocorreu uma vez, numa rara manhã em que estava sozinha em casa, lavando as roupas. Sentei-me na cama, cansada de espremer blusas, para acender um cigarro cujo cheiro criaria uma centelha de fúria em Silmara, e senti um peso invisível, porém suficientemente forte o bastante para ser notado, sentando-se ao meu lado também. Levantei-me na hora e passei o restante do dia no quintal, esperando que minhas irmãs voltassem do colégio.

Após aquela catarse coletiva de automutilações, muitos pais recolheram seus filhos para dentro de casa. Acho que todos nós já esperávamos um novo sinal naqueles meses de tão poucas palavras. Não saberia te explicar de uma maneira decente. Não era inverno, mas estava frio e a neblina que costumava flutuar sobre as montanhas nos entornos de Arcadia não se desfalecia nem com o sol à pino.

Tivemos a ideia de fazer uma tarde agradável na frente do lago. Todos os pais e mães, agora unidos pelo mesmo pavor e culpa que eu tinha. Para conversarmos, cuidarmos de nossas crianças machucadas, tentarmos entender a dimensão daquela tragédia, ou da iminência dela: a possibilidade de nossos filhos se matarem, inconscientemente. Nenhum deles se lembrava do que havia acontecido. Então, mesmo um convite ingênuo como um piquenique, nos parecia um presságio. Contudo, também precisávamos urgentemente fazer algo que conjurasse a normalidade, ao antigo cotidiano ordinário e banal de Arcadia. Fiquei tão aliviada quando Safira e Camélia chegaram em minha porta para se desculparem, para irmos juntas até o lago. Fora um dos últimos gestos que me fizera sorrir naquela cidade. Algo que me conduziu a acreditar que, depois de tudo, as coisas voltariam a funcionar no seu devido lugar.

O que aconteceu em seguida, meu caro Lúcio, talvez não tenha tanta importância agora, com as coisas do jeito que estão… com estas perdas e toda essa escravidão pelo qual estamos passando.

Mas quando vimos o primeiro deles ascender, talvez tenha uma relevância para este testemunho. Primeiro as bolhas chegando e estourando na superfície, bem no centro do lago. Em seguida, fervilhou como se o próprio lago estivesse numa grande panela em fogo alto. E então o ovo. Um grande ovo do tamanho de uma casa de cachorro, subindo à superfície, flutuando no ar, eclodindo, e por fim um guincho. Um guincho gutural e agressivo como o coro de mil bebês gritando ao mesmo tempo, vindo de um bico aberto que bicava de dentro para fora da casca amarelada, pegajosa, com rastros de lama. Antes mesmo de nascer, já víamos a sua forma desenhada pelos raios solares como um teatro de sombras, debatendo-se para sair.

Estávamos tão absortos com aquela criatura que nascia nos céus, tão hipnotizados pela certeza de que já estávamos condenados, que nenhum de nós, pais e mães, percebemos as crianças que afundavam no lago e não produziam sequer um único som naquela grande pupila de água escurecida pela lama em seu âmago.

Menos Miguel, que ficara em casa com minha mãe, com medo do lago e dos familiares do Senhor Pássaro que nasciam e gritavam HUARUM naquela tarde ensolarada de Arcadia. Eu tenho certeza, Lúcio, que assim como você, ele já sabia do seu destino.

Era inevitável que uma mãe perdesse o seu filho.

Era inevitável que muitos de nós corressem. Que alguns de nós salvassem quem pudessem. Era inevitável que muitas mães e pais pulassem no lago em ebulição no intuito de salvarem os seus infantes, e voltassem corroídos e sem membros e sem filhos, uma sopa de ossos, braços, pernas e órgãos se derretendo na fervura. Camélia, com um olho pendurado pelas vísceras, tentando emitir um som para mim, a pele do rosto se dissolvendo como uma lepra veloz e mortal. O odor pútrido de carne queimada e a fumaça espessa que se espalhava pelos bairros e espalhava o que era, mais uma vez, inevitável.

Então eu lhe pergunto uma última vez: o que você faria no meu lugar, Lúcio? Você correria em direção ao seu filho? Ou suas pernas ficariam fracas demais para correr? Você morreria no lago, ou ainda arrancaria a própria vida por já saber que não iria querer estar presente para testemunhar o que corroeu o meu coração?

É a nossa responsabilidade dar dignidade e honra às nossas crianças. E dito isso, eu me preparo para voltar, sair deste porão, colocar o terço em minha bolsa, roubar alguns mantimentos dos meus colegas sobreviventes, e dar um enterro apropriado a ele, a Miguel. Meu menino crucificado, violado, humilhado. Não posso mais continuar vivendo desta maneira covarde. Tenho que tentar. Tenho que tirá-lo dali.

Deseje-me sorte, irei precisar.

Com amor,

Maria.

Arte por: @deirdremayfair

Design da capa: Rauan Maia Holanda

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